Duas vezes treze linhas teriam bastado para falar da caça do gato selvagem, um gato de grande tamanho, já que se trata de um lince, com manchas oceladas e pequenas orelhas pontiagudas, embora com o rabo demasiado longo. O felino, com um dardo a atravessar-lhe o ventre, defende-se com valentia contra dois cães de orelhas caídas que lhe mordem o dorso e o pescoço. O sangue que mancha a cabeça do cão branco indica claramente que o gato lhe mordeu no focinho. Dois criados incitam-nos sem intervir, ainda que estejam preparados para lançar o dardo. Os dois cavaleiros chegam mais tarde, aproximando-se a galope. A cena desenrola-se sobre um fundo salpicado de plantas floridas e fetos. Três velhas árvores isoladas servem de pretexto para uma ação secundária, a de um gato cinzento que tenta refugiar-se entre a escassa folhagem da árvore do meio. A sua estranha cor remete aos gatos domésticos, ainda escassos naquela época. A única maneira de o caçar seria abatendo-o com uma flecha. Mas disso não há qualquer perigo, já que os caçadores não portam arcos, nem bestas. O gato montês, também denominado de lince, é atacado de forma desconexa, e por casualidade, durante a perseguição da raposa e da lebre. A sua caça demora muito tempo com os grandes gritos, sobretudo se para os encurralar são utilizados lebréus e sabujos. Aqui se contentaram com uma pequena matilha de seis sabujos. Vale a pena comparar esta imagem com a do exemplar pessoal de Febo, fólio 90v: a representação é diferente, mais justa e completa. Os dois cavaleiros galopam à altura do lince ferido enquanto os cães lhe mordem o pescoço e o dorso. Podemos pensar que o dardo acaba de ser lançado por um dos dois cavaleiros. Com efeito, os criados que vão a pé não tratam em absoluto de abater o lince. O primeiro assinala ao seu companheiro o gato empoleirado na árvore. O outro aponta para ele com o arco já distendido.
Yves Christe,
Université de Genève