Pertencente à secção dedicada ao saltério e ilustrando o salmo 109, esta pintura do Mestre do Livro de Oração de Dresden mostra alguns aspectos habituais na representação deste salmo, que pode ser entendido como a protecção de Deus e uma prefigura do Messias como rei e sacerdote. Assim, na parte superior central, encontra-se um momento de glória em que aparecem, sentados no mesmo trono –seguindo a iconografia imperial romana de retratos de imperadores e cônsules –David, vestido como cavaleiro, coberto com um pluvial e com a coroa imperial; na sua mão esquerda sustenta outro símbolo de poder, a esfera do universo, da qual só se vê a cruz, tapada pelo livro que segura junto ao Pai, com vestes pontificais e tiara de três coroas. Em baixo, desenrola-se uma cena de batalha, conforme narrada no Génesis 14, 14-16, que representa Abraão –ao centro–, com capacete e armadura dourada a abater um dos reis, seguidores de Quedorlaomer, que tinham preso o seu sobrinho Lot, representado à direita da composição como homem com barba, de cabeça e olhos baixos e mãos atadas, sobre cujo capacete coloca «
lod». Os seguidores de Abraão lutam contra os outros três reis e os seus exércitos. Em segundo plano, é mostrada a continuação do relato anterior, como se lê no Gen. 14, 18-20: a bênção de Abraão, representado como o primeiro cavaleiro da batalha, sobre o qual há uma inscrição dourada onde se lê «
abraha[
m]», por Melquisedec, rei de Salém e sacerdote, representado com tonsura e levando um pão na sua mão direita e um recipiente de vinho na esquerda, cujo nome aparece em cima com letras douradas «
melchisedech»; é franqueado por dois servidores. No fundo, um exército, onde se destacam quatro personagens a cavalo, a sair de uma cidade fortificada: provavelmente, os quatro reis que aprisionaram Lot, saindo de Sodoma.
A exegese medieval viu na libertação de Lot uma imagem de Jesus libertando os justos do inferno; do mesmo modo, Abraão e Melquisedec adquirem um significado eucarístico, prefiguração da Última Ceia –de facto, no século XV, chamava-se
melquisedec ao varão da custódia que guardava a hóstia consagrada–. Muito mais abundante é a iconografia de Abraão e Melquisedec, encontram-se modelos a partir do século V, como se pode ver num mosaico de Santa Maria a Maior de Roma, e, dentro da pintura de manuscritos, no
Génesis de Viena, realizado talvez em Antioquia no VI (Viena, Österreichische Nationalbibliothek, cod. theol. gr. 31).
A margem que emoldura a pintura e texto é a habitual da escola de Gant e Bruges, de flores tratadas com ilusão de óptica sobre fundo vermelho. A maior parte delas apresenta cor violeta e, entra as espécies, cabe destacar a erva-pombinha e o lírio, cujo significado, segundo o contexto, relaciona-se com a Paixão de Cristo e é possível que, neste caso, pudesse reforçar o conteúdo eucarístico e de libertação dos pecadores da pintura.